Planejamento estratégico e OKR

Uma das disciplinas de gestão que mais vendeu livros nas últimas décadas é a de planejamento estratégico. Porém, este conceito está sendo totalmente transformado. Estamos em uma era na qual é preciso repensar a forma como fazemos estratégia. Precisamos mudar o modelo mental de excesso de análise para agir e aprender rápido. Neste artigo eu compartilho alguns pensamentos para ajudar neste desafio.

Uma das formas de definirmos planejamento estratégico é a seguinte (tradução livre):

O planejamento estratégico é uma atividade de gerenciamento organizacional usada para definir prioridades, concentrar energia e recursos, fortalecer operações, garantir que os colaboradores e outras partes interessadas estejam trabalhando em direção a objetivos comuns, estabelecer acordo sobre os resultados pretendidos e avaliar e ajustar a direção da organização em resposta a um ambiente em mudança.

Bem, se você é gestor ou executivo de uma média ou grande empresa, provavelmente já vivenciou o seguinte cenário:

Os executivos bloqueiam uma série de dias na sua agenda, em geral iniciando em outubro, para realizar o planejamento estratégico, um dos eventos mais aguardados no ano (ou do quadriênio, em muitas organizações).

Durante semanas a fio, esses gestores realizam as seguintes atividades, muitas vezes direcionados por guidelines de ferramentas como o BSC (Balanced Scorecard) e MBO (Management by Objectives).

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O que é um planejamento estratégico?

Neste período de planejamento, algo parecido com as etapas abaixo acontece:

  • Revisão e definição da missão, visão e valores
  • Análise competitiva do mercado e análise SWOT
  • Definição da estratégia a partir do que aconteceu nos anos anteriores, resultando em dezenas de frases qualitativas escritas em alto nível de abstração.
  • Desdobramento da estratégia em metas e KPI’s 
  • Cascateamento das metas para o restante da organização até o último nível
  • Elaboração do orçamento anual
  • Múltiplas rodadas de negociações internas com relação a custos, alocações, metas de vendas e bonificações.
  • Desdobramento de todas as metas em iniciativas, projetos e planos de ação
  • Início do acompanhamento mensal dos plano e ações corretivas

E aí? Se identificou? Você já passou por isso?

Durante muitos anos na minha jornada de gestor e executivo, eu era o cara que seguia esse script acima. Me lembro que ao término deste exercício a gente saía com a sensação que a empresa inteira estava “alinhada”. 

Acontece que todo aquele planejamento era uma ótima forma de lidar com o medo do desconhecido. Após várias horas de gestores dedicados para este trabalho (horas bem caras, por sinal), tínhamos uma mistura de sentimentos. 

Talvez um pouco menos de ansiedade pois agora estava tudo “planejado”, mas também um certo medo, pois no fundo sabíamos que as coisas iam mudar assim que a gente saísse da sala. A gente sabia que erros estratégicos poderiam colocar a empresa e nossas carreiras em risco.

Além do fato de que todos os planos estratégicos de 2020 caducaram com a pandemia do coronavírus, existem diversos problemas estruturais com essa abordagem.

Por que muitos planejamentos estratégicos naufragam?

Planejamento estratégico naufraga


Em uma pesquisa com gestores de mais de 300 empresas, apenas 10% disse que as prioridades definidas no planejamento estratégico tinham pessoas, recursos e apoio da alta gestão necessários para realmente acontecerem. A grande maioria disse acreditar que a maior parte do que era dito “prioridades” na verdade iria falhar.

A intenção de todo esse trabalho é até nobre. Os gestores obtêm os dados e fazem todas as previsões possíveis e criam o plano de rollout da estratégia. Mas esse plano não funciona por conta da sua própria definição.

A expressão “plano de rollout” tem dois problemas. O primeiro é a palavra “rollout”, que implica em prever o comportamento de um sistema tão complexo como a maioria das empresas. O segundo problema é a palavra “plano”, que supõe que gestores têm uma bola de cristal nas mãos e consegue prever tudo que vai acontecer.

Todo o esforço de planejamento citado acima, além de gerar uma falsa sensação de segurança, traz outros problemas.

Confusão entre planejamento e estratégia

Praticamente toda vez que a palavra "estratégia" é usada, ela é combinada com “plano” ou “planejamento”. Daí surge o famoso planejamento estratégico. O problema que um planejamento estratégico não produz novas estratégias. Ele perpetua o status quo.

Sempre que vejo um planejamento estratégico eles têm a mesma cara. Começam com a missão, visão e valores e alguns objetivos aspiracionais, seguido por um conjunto de iniciativas e projetos que a empresa realizará em busca dos resultados financeiros, em um projeção de 3 a 5 anos.

Este é um exercício bastante factível e confortável que resulta em iniciativas que, em geral, se encaixam aos recursos e capacidades atuais da empresa. Porém não deve ser confundido com estratégia. Um planejamento não questiona as suposições e nem deixa claro o que a empresa escolhe não fazer, e os motivos. 

O trabalho de realizar o planejamento estratégico infelizmente é mais uma atividade de organização de departamentos para que fiquem “alinhados”, e é menos sobre ter sucesso no mercado. Essa é uma confusão comum, até mesmo entre membros de conselho que acham mais seguro supervisionar o planejamento do que incentivar escolhas estratégicas.

Mudanças somente incrementais com base no ano anterior

O que acontece muitas vezes neste exercício de planejamento estratégico é que ele é feito levando-se em conta o ano anterior e construindo com base nele. Há uma tendência em achar que o próximo ano será como o ano atual, com melhorias de performance em indicadores já conhecidos. 

Este exercício é puramente de planejamento, e não de estratégia. É fácil cair nessa cilada. Afinal, nós gestores e executivos não queremos “estar errados” e sempre temos uma boa dose de aversão à risco.

Filas enormes de projetos logo na largada

Planejamentos estratégicos detalhados de longo prazo geram uma lista enorme de projetos, aumentando a fila de iniciativas da empresa de forma ingerenciável. 

A empresa passa a ter vários projetos sendo executados, aparentemente passando uma impressão de alta produtividade, mas no fundo todos os projetos estão evoluindo a passos de tartaruga devido ao alto volume de trabalho em progresso.

Desengajamento e desperdício

Todo esse planejamento estratégico em geral não envolve as pessoas necessárias que depois são cobradas pela execução, gerando um grande desalinhamento e desengajamento dos times. 

E o pior: todo este planejamento, que pode levar semanas ou meses para ser criado, não sobrevive às mudanças por conta de sua inflexibilidade e acaba voltando para a prateleira frente ao ambiente volátil da atualidade.

Por que uma empresa deve fazer um planejamento estratégico?

A questão não é fazer ou não o planejamento estratégico. Ele é importante. O problema é a forma que ele ainda é feito em muitas organizações.

Pensar a estratégia requer boas perguntas e não um exercício de desdobramento e alinhamento que alimenta ainda mais os silos organizacionais. Pensar em estratégia não é eliminar riscos, mas aumentar a probabilidade de sucesso. É sobre fazer algumas apostas e escolhas difíceis. 

Estratégia é sobre fazer perguntas diferentes, como:

  • Quão bem conhecemos as preferências de nossos clientes? Eles estão mudando?
  • De que forma competimos no mercado?
  • Como enxergamos os nossos horizontes de crescimento?
  • Como geramos valor para nossos clientes?
  • O que nos leva a perder clientes?
  • Qual a pior coisa que poderia acontecer com nossa base de fornecedores?
  • Qual é o nosso posicionamento estratégico versus os nossos três principais concorrentes? 
  • Quais nossos principais indicadores de performance?
  • O que devemos parar de fazer?

Você percebe como as respostas a essas perguntas acima podem mudar com uma frequência muito grande nos dias de hoje?

Estratégias emergentes

Me permita voltar rapidamente no tempo. Em 1978, Henry Mintzberg publicou um artigo no qual ele introduziu o conceito de estratégia emergente que acabou se popularizando seu livro “The Rise and Fall of Strategic Planning”.

A emergência (de “emergir”) é a maneira pela qual sistemas e padrões complexos surgem de uma multiplicidade de interações relativamente simples.

 Em geral, um fenômeno emergente ocorre quando agentes operam em um ambiente formando comportamentos complexos devido a sua interconectividade. É muito difícil prever um comportamento emergente devido ao imenso número de interações entre os elementos do sistema.

Esse é o conceito que baseou o que Mintzberg  batizou de estratégia emergente. Ele observou que gestores na maior parte do tempo superestimam a sua capacidade de prever e planejar o futuro. 

Mintzberg  fez uma distinção entre estratégia deliberada, que é intencional, e estratégia emergente, que não se baseia em uma intenção original, mas consiste nas respostas da empresa a uma variedade de eventos imprevistos.

Sua intenção com este conceito era incentivar a observação cuidadosa das mudanças em nosso ambiente para que possamos fazer correções de rota em nossa estratégia deliberada. Mintzberg também alertou sobre os perigos de seguir uma estratégia fixa diante de mudanças substanciais no ambiente competitivo (o que hoje chamamos de mundo VUCA).


Mintzberg chega a dizer que "planejamento estratégico" é um oxímoro!

Embora seja um conceito muito interessante para os dias atuais, o que percebemos é que, na tentativa de enterrar o planejamento estratégico tradicional, muitos usam a ideia de estratégia emergente para não fazer nenhuma escolha até que o futuro se torne suficientemente claro, como justificativa para declarar o futuro tão imprevisível e volátil.

Isso pode ser igualmente perigoso. Se o futuro é imprevisível e volátil, de que forma gestores podem reconhecer o ponto em que a previsibilidade é alta o suficiente e a volatilidade é baixa o suficiente para começar a fazer escolhas? Infelizmente  não haverá um momento exato em que alguém possa ter certeza de que o futuro é previsível.

Como fazer um planejamento estratégico passo a passo?

Pois é, esta é outra cilada. Muitos gestores ainda buscam a receita de bolo, o passo a passo, o guia oficial do planejamento estratégico perfeito, a metodologia certa que é dominada em um curso de dois dias. Ao invés de um passo a passo, talvez possamos trabalhar com alguns princípios.

Estratégia como um protótipo que evolui de forma iterativa

Embora o mundo esteja cada vez mais complexo e incerto, eliminar por completo o planejamento estratégico e “esperar pra ver” pode ser tão ruim quanto gastar semanas no processo descrito no início do artigo. 

Estratégia não é um plano a ser executado, mas um conjunto de hipóteses sobre como gerar valor para o cliente. Estratégia é também sobre fazer algumas apostas, Acredito que os gestores devem internalizar esse conceito para não serem intimidados pelo processo de planejamento da estratégia. 

Um conceito interessante concebido por Roger L. Martin é enxergar a estratégia como um processo de prototipagem. Velha conhecida de times de inovação e UX, a prototipagem é uma ferramenta para reduzir progressivamente os riscos ao longo do tempo. 

Neste conceito, a empresa gera uma sucessão de protótipos para testar uma idéia, obter insights, melhorar o protótipo, testar novamente, obter insights, melhorar e assim por diante até que a ideia esteja madura.

Planejamento estratégico - Protótipo

O mesmo vale para a estratégia. Imagine as perguntas abaixo:

  • Qual jogo queremos jogar como empresa?
  • Qual é a nossa aspiração vencedora? Como venceremos?
  • Quais capacidades precisamos criar?
  • Quais recursos devemos ter?
  • Quais sistemas e abordagens de gestão são necessários?

Um conjunto inicial de respostas para essas perguntas é a princípio, é um protótipo conceitual da estratégia. 

A primeira “iteração” da prototipagem envolve perguntar o que teria que ser verdadeiro para que as respostas iniciais para essas 5 perguntas fossem sólidas e depois testá-las sem realmente colocar a estratégia em ação. As respostas são adaptadas e melhoradas.

O protótipo refinado pode ser testado algumas vezes, modificado, testado novamente e assim por diante. E a cada iteração, os testes avançam para o domínio das iniciativas e do mercado. Aspectos da estratégia podem ser testados através de experimentos à medida que a organização ganha mais aprendizado para aprimorar e refinar sua estratégia a cada iteração.

Um loop infinito

Esse processo de prototipagem nunca deve parar. Ele é alimentado à medida que a empresa captura novos dados do mercado, dos concorrentes e da própria organização. Desta forma, a estratégia é vista como o protótipo mais recente que está sendo testado pela mais recente experiência de mercado. Dessa forma, a estratégia nunca ficará fora de sincronia com o ambiente competitivo.

As empresas mais inovadoras estão deixando de pensar em estratégia como um exercício de solução de problemas e puro alinhamento e passando a vê-la como um desafio de prototipação no qual os gestores se obrigam a explorar verdadeiramente as opções antes de fazer uma escolha.

Como a metodologia OKR pode ajudar no planejamento estratégico?

OK, se você já leu meus artigos sobre okr sabe que OKR não é uma metodologia. 

Terminologias à parte, uma vez que o diálogo sobre a estratégia ganha eficácia na organização, o próximo desafio é fazer a estrategia acontecer através das mudanças e transformações necessárias. Todos os colaboradores precisam estar conectados com o propósito e as estratégias do negócio. É aí que OKR mostra a que veio. 

OKR - Objectives & Key Results

Para pensar a estratégia em um ambiente complexo precisamos estar dispostos a corrigir a rota da empresa em tempo real. Ao invés de simplesmente executar uma estratégia linear pré-definida, é preciso ter um processo ágil para continuamente validar a estratégia através de experimentos de curta duração.

É aí que OKR entra em cena para te ajudar. Estes experimentos utilizam OKRs para trazer foco, alinhamento a aprendizado sobre o que mais importa para o cliente e para o negócio. Esta é a forma que as empresas mais ágeis do mundo gerenciam a sua estratégia.

OKR é um mecanismo que impulsiona a agilidade estratégica da empresa. OKRs bem elaborados (não é fácil chegar a ótimos OKRs) oferecem um caminho a seguir diante da incerteza e da complexidade. 

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Concluindo, pensar na estratégia da empresa em momentos de alta incerteza e complexidade como a que estamos vivendo requer atenção plena e constante ao mercado e ao comportamento dos clientes. 

Para prosperar, as empresas precisam desenvolver capacidades internas para perceber o que está acontecendo em seu ambiente e se adaptar às mudanças com criatividade. Porém, este processo de adaptação não é mecânico. É um processo sistêmico e holístico que requer um modelo mental e uma cultura ágil por parte de todos na organização, somado a um processo de pensamento estratégico, planejamento, definição de objetivos e aprendizado.

Estamos em uma era na qual é preciso repensar a forma como fazemos estratégia. Precisamos mudar o modelo mental de excesso de análise para agir e aprender rápido.

"If you are entirely comfortable with your strategy, there’s a strong chance it isn’t very good." -Roger Martin.

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