Conforme o trabalho remoto se torna algo cada vez mais normal após o surgimento do COVID-19, muitos gestores têm se perguntado como avaliar o desempenho de seus colaboradores neste cenário tão complexo onde existe muito medo da incerteza? Como considerar essa complexidade ao falar de avaliação de desempenho?
Mesmo antes da pandemia do coronavírus, este tema sempre foi considerado tenso e que gera muita ansiedade em gestores e colaboradores. E quando uma empresa começa a fazer uma transição para abordagens ágeis de gestão, uma das dúvidas que ainda fica sem resposta na cabeça dos gestores é como avaliar o desempenho das pessoas.
De fato, em um sistema complexo como uma organização, as pessoas são parte fundamental de qualquer transição para uma abordagem mais ágil e humana de trabalho. É através delas que tudo acontece.
Porém, para tornar a empresa mais ágil, com mais transparência, colaboração e autonomia para as equipes, é preciso muitas vezes re-pensar alguns paradigmas existentes no sistema atual à muitos anos que podem ser grandes entraves para qualquer transição ou transformação da empresa.
Busque no Google por “avaliação de desempenho” e você verá a quantidade de artigos dando exatamente a mesma receita mágica para avaliar colaboradores. E é exatamente aí que mora o problema...
Por exemplo, grande parte dos processos de avaliação de desempenho das organizações, mesmo aquelas que estão adotando metodologias ágeis, têm como base princípios de gestão que vão na contra-mão da própria filosofia ágil de gestão.
O que é a avaliação de desempenho?
A disciplina de “avaliação de desempenho” é uma das práticas mais antigas (e mais cruéis) da ciência organizacional. E existem evidências disto.
Eu sua obra “Artful Work”, Dick Richards diz que: (tradução livre)
“...parece bastante provável, à medida que continuamos questionando nossas práticas atuais, que a maioria dos sistemas de avaliação de desempenho será desmascarada como algo prejudicial ao espírito humano.”
Eu concordo com ele. Quando falamos, por exemplo, de “gestão de pessoas”, as perguntas abaixo infelizmente ainda estão entre as que mais preocupam os gestores:
- Como identificar os colaboradores com melhor desempenho e evitar que eles saiam da empresa?
- Como identificar aqueles com pior desempenho para que eu possa “gerenciá-los” (tradução para “demiti-los”).
- Como avaliar o desempenho de um indivíduo para que eu possa pagar os bônus certos para as pessoas certas?
- Como eu consigo apoiar e recompensar o desempenho do time na minha empresa que tem um sistema de gestão de desempenho individual?
Efeito manada
Efeito manada é a tendência humana de repetir atitudes ou ações realizadas por outras pessoas esperando ter o melhor resultado possível, dentro de diversas opções de escolha. O mesmo acontece com as organizações.
Por que adotar o modelo Spotify? Porque todo mundo está adotando. Por que ter um processo de avaliação de desempenho como este? Porque é assim que todo mundo faz há anos.
Os tradicionais sistemas de avaliação de desempenho, além de não atingirem os resultados “positivos” para os quais eles supostamente foram projetados, na realidade tendem a produzir resultados negativos. Esses sistemas estão em vigor porque parecem a coisa certa a ser feita e todos esperam que eles funcionem.
O fato das empresas adotarem práticas de avaliação de desempenho individuais para obter melhorias organizacionais muito provavelmente vem do mito de que um melhor desempenho da empresa é obtido ao fazer com que cada pessoa faça um trabalho melhor.
Mitos da avaliação de desempenho
Uma empresa somente consegue obter uma real evolução quando são realizadas melhorias pensando em toda a organização como um sistema complexo.
Aqui, voltamos ao mestre Edwards Deming, que em sua obra Out of the crisis já dizia (tradução livre):
“Não existe nenhum dado científico que apoie a ideia de que a avaliação de desempenho praticada atualmente pela grande maioria das empresas alcança qualquer das coisas que todos rotineiramente acreditamos que ela alcança.”
Mas como é que explicamos o fato de que muitos líderes continuam adotando esta prática ineficaz que, na verdade, nunca funcionou?
Existe a crença que não fazer avaliação significa não existir nenhum feedback para as pessoas, nenhuma orientação sobre desempenho ou carreira. Outra crença é que as pessoas sempre precisam ser avaliadas para saberem onde estão e para onde ir.
Outro fato é que a maioria das pessoas acredita que seu desempenho é excelente. 80% das pessoas se considera entre os 25% com melhor desempenho e acredita que um sistema de avaliação reconhecerá isso e os recompensará com aumentos salariais, progressão na carreira, promoções e outras vantagens.
A empresa então tem duas opções. A primeira é colocar panos quentes e continuar a prática de avaliação de desempenho tradicional, promovendo a ilusão de que a avaliação funciona e fingindo não perceber os efeitos colaterais.
A segunda opção é mais difícil e implica em gerar um processo de diálogo em toda a organização, no qual ajudamos as pessoas a entenderem por que a avaliações de desempenho falham e, em conjunto, definir estratégias para substituir a avaliação, procurando maneiras genuinamente eficazes de atingir os objetivos que se propõe.
Então o que fazer? Ainda mais agora que os times estão cada vez mais trabalhando remotamente? Como repensar avaliação de desempenho?
Quais os tipos de avaliação de desempenho?
Provavelmente você já cansou de escutar sobre os tipos de avaliação de desempenho mais comuns. Uma simples busca na internet resulta em práticas como:
- Autoavaliação
- Avaliação pelo superior imediato
- Avaliação de equipe
- Avaliação conjunta, ou 180 graus
- Avaliação 360 graus
- Avaliação por competências
- Avaliação por objetivos
Minha intenção com este post não é ser mais um na multidão de posts que explica esses temas. Eu gostaria de trazer algumas reflexões complementares.
Como realizar uma avaliação de desempenho para home office?
A verdade é que, com a crescente complexidade do ambiente atual, não existem fórmulas ou metodologias prescritivas para avaliar desempenho.
Existem algumas práticas que ajudam a mudar os paradigmas anteriores citados acima, seja para equipes remotas ou presenciais.
Comece pelo “porquê”
Como diz Simon Sinek, “start with why”! Reflita sobre o motivo pelo qual vocês estão realizando as avaliações de desempenho dos colaboradores. Em meio a uma pandemia, e mesmo após ela, será que a sua prioridade é identificar e eliminar pessoas com baixo desempenho e decidir que recebe aumento?
Sua prioridade é fortalecer a cultura da sua empresa através dos valores que a representam. A forma como a empresa trata seus colaboradores em momentos como este define diretamente se ela está fortalecendo ou apodrecendo a cultura.
Atenção às pessoas e não somente em números
No seu processo de avaliação de desempenho, o que você está avaliando no fundo?
O desempenho é uma medida de sucesso em relação a metas e objetivos definidos. Metas definidas antes da crise da COVID-19, por exemplo, muitas vezes não são mais aplicáveis pois o contexto e os objetivos mudaram.
Considere a empatia, resiliência e capacidade de adaptação dos funcionários durante esse período desafiador. O trabalho em equipe e a colaboração são muito importantes durante esta crise. Proteja as pessoas, confie nelas e reconheça os comportamentos.
Considere, ao menos por um tempo, suspendendo classificações numéricas das pessoas. Classificar seus funcionários com notas será extremamente complexo. Com a pandemia muitas escolas acabaram com as notas dos alunos e estão optando por outros modelos de aprovação neste semestre.
Ao invés de classificações, uma boa ideia é elaborar um sistema flexível que reconheça as dificuldades que os colaboradores estão enfrentando e gerar diálogo construtivo com narrativas. Forneça informações específicas e relevantes sobre o que o colaborador fez bem e sugestões de melhoria, ao invés de designar uma nota.
360-dinner
Um processo de feedback transparente e humano é muito mais valioso do que um processo de avaliação de desempenho que foi concebido a décadas atrás.
Uma das práticas do Management 3.0 é o 360 Dinner. Trata-se de um “atalho” para o feedback 360 graus tradicional e pode ser transformado em uma prática comum para sua equipe ao longo de todo do ano.
Como funciona?
Antes da pandemia, a ideia desta prática era convidar a equipe para um jantar. Jantares em equipe são sempre uma boa idéia para fortalecer o relacionamento.
Durante a refeição, vocês darão feedback um ao outro. Você, como líder da equipe, começa convidando todos a avaliar seu desempenho, seu comportamento e outros temas que eles gostariam de comentar.
Certifique-se de agradecer a todos por seus comentários honestos e valiosos. Lembre-se: é difícil receber e dar feedback, principalmente se for um feedback desconfortável.
E no trabalho remoto? Como faço se minha equipe está em home office?
Celebrar jantares com equipes remotas é mais fácil do que você pensa. Cada pessoa online pode providenciar suas bebidas e petiscos e compartilham seus pensamentos com a webcam ligada como se estivessem em uma mesa de jantar. Experimente!
Quais os indicadores de trabalho home office?
Ao invés de pensar em indicadores para avaliar os colaboradores individualmente, pense em metas compartilhadas - aquelas que precisam de um esforço coletivo para serem atingidas.
Em empresas de tecnologia, por exemplo, este conceito é fundamental. Um excelente aplicativo jamais seria lançado no mercado com o esforço apenas dos programadores, ou apenas dos Web Designers ou de Product Owners. É preciso um esforço coordenado e coletivo para que o cliente possa ser encantado e o negócio ter sucesso.
Uma das ferramentas mais eficazes para definir os objetivos e resultados esperados para grupos de pessoas é OKR.
OKR é uma sigla em Inglês que significa “Objectives and Key Results” (Objetivos e Resultados Chave). É uma maneira simples de definir objetivos para o negócio e para os times.
OKR também ajuda a medir o progresso baseado em resultados atingidos, através de foco, colaboração e disciplina, ajudando a direcionar os esforços de toda a empresa para os resultados desejados.
Como melhorar o desempenho dos colaboradores em home office?
A pandemia do coronavírus trouxe circunstâncias muito diferentes para todos nós e nossas equipes. Fazer home office requer de nós flexibilidade. inteligência emocional e empatia com quem nunca trabalhou desta forma antes.
Alguns de nossos colaboradores podem estar sofrendo por ter que fazer as suas entregas e ao mesmo tempo cuidar da família e da casa. Outros ainda podem estar tentando ser produtivo enquanto lutam com sentimentos de isolamento.
Como líderes, não podemos apenas olhar para as entregas que as pessoas estão fazendo ignorar o contexto mais amplo do momento. Mostre compaixão.
O impacto psicológico da pandemia está atingindo as pessoas de maneiras diferentes e é preciso criar um ambiente de flexibilidade e liberdade com responsabilidade.
Como executar a avaliação de desempenho de forma remota?
Atualmente não falta tecnologia para manter a comunicação no trabalho remoto. As ferramentas são as mais diversas possíveis e muitas já atingiram alta maturidade e qualidade, como o Zoom.
Mesmo de forma online, tenha conversas frequentes com os membros do seu time. Algumas perguntas que ajudam a gerar conexão entre você e seus colaboradores:
- Quais foram as principais realizações dos últimos meses?
- Onde foram os principais desafios? E os aprendizados?
- Do que você mais se orgulha de ter feito?
- Quais novas habilidades você adquiriu? E quais você desenvolverá?
- Que novas ideias surgiram?
- O que você quer fazer melhor?
- O que poderíamos priorizar dado o que aconteceu?
- Há novas áreas que você deseja explorar?
- Como podemos saber se estamos progredindo?
A ideia central é não discutir sobre escalas de classificações, letras ou números. Apenas dialogar de forma transparente e sem julgamentos pode gerar resultados incríveis.
Cuide do seu sistema
Concluindo, o processo tradicional de avaliação de desempenho que existe a décadas gera competição, percepção de injustiça e corrói a motivação intrínseca das pessoas sem você perceber.
Edwards Deming foi um dos maiores líderes do século XX. Ele dizia que “danos imensuráveis são criados por sistemas de classificação e pagamento de incentivos”.
Deming acreditava que toda empresa é um sistema, e o desempenho das pessoas é o resultado da maneira como o sistema opera. Segundo ele, o sistema é responsável por 80% dos problemas em uma organização.
Nós, gestores, precisamos nos adaptar a todo momento e isso inclui nossos modelos de gestão, nossas transformações ágeis e digitais. Precisamos encontrar uma maneira de melhorar a todo momento.
Embora a avaliação de desempenho seja difícil e talvez contraproducente, ela pode ser humana. Seja criativo. Faça o melhor que puder para seus colaboradores.
Cuidar do seu sistema de gestão é cuidar das pessoas, assim como o jardineiro cuida do seu jardim para que ele dê flores e frutos. Essa é a nossa missão como líderes.
Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana. - Carl Jung
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