Thomaz Ribas
Em muitas empresas, a discussão sobre métricas se torna um obstáculo silencioso ao avanço estratégico. Líderes permanecem em ciclos intermináveis de refinamento, buscando o indicador perfeito, a fórmula exata, o número que finalmente dará segurança para agir. Essa busca, embora pareça profissional, quase sempre empurra a organização para um estado de paralisia.
O fato é simples. Nenhum indicador captura a realidade por completo. Nenhum indicador é totalmente neutro. E, sobretudo, nenhum indicador é capaz de substituir a capacidade da liderança de olhar para a trajetória do negócio com rigor e curiosidade.
Por isso, quando falamos de OKR, não estamos falando apenas de metas mensuráveis. Estamos falando de como empresas desenvolvem maturidade para trabalhar com sinais imperfeitos sem perder direção. Estamos falando de evidências, disciplina, aprendizado e tomada de decisão adulta.
Este artigo aprofunda essa reflexão.
A ilusão da precisão absoluta no uso de OKR
Muitos líderes acreditam que só poderão trabalhar bem com OKR quando tiverem métricas impecáveis, sistemas integrados, dashboards perfeitos e indicadores que expressem toda a complexidade do negócio. Esse desejo é compreensível, mas irreal.
A obsessão por precisão absoluta revela uma expectativa equivocada: a ideia de que métricas são representações fiéis da realidade. Mas métricas são sempre recortes da realidade. Isso é válido em qualquer setor, em qualquer tipo de organização.
Ao esperar condições perfeitas, a empresa adia decisões importantes e perde velocidade em um mundo que exige experimentação e ajustes contínuos.
Todos os indicadores são imperfeitos (e isso não é um problema)
No fundo, todos os indicadores têm falhas. Faturamento, NPS, churn, produtividade, velocidade, pesquisas de clima, eficiência operacional, todos carregam imprecisões, ruídos e vieses.
Por que isso acontece?
1. Indicadores simplificam fenômenos complexos
Um número sempre reduz nuances. Uma taxa de churn, por exemplo, não explica motivos, contextos, comportamentos. Ela apenas aponta uma parte do quadro.
2. Há ruídos no processo de coleta
Sistemas desatualizados, interpretações diferentes, ausência de padrão, amostras incompletas. A qualidade do dado reflete a qualidade dos processos.
3. Há variáveis incontroláveis
Sazonalidade, ambiente externo, concorrência, mudanças estruturais. Métricas não conseguem isolar tudo isso.
4. Sempre existe viés na interpretação
Dois líderes podem olhar o mesmo número e chegar a conclusões diferentes, guiados por experiências, crenças e pressões distintas.
5. Todo indicador olha para o passado
Mesmo os leading indicators são tentativas de antecipar o futuro com base em padrões históricos. Diante disso, buscar o indicador perfeito é improdutivo. A questão relevante não é a perfeição, mas o propósito.
Mensuração em OKR: o que realmente importa são os outcomes e a trajetória
Quando falamos de OKR, a maturidade não está em medir tudo com precisão cirúrgica. Está em reunir evidências consistentes que mostrem se estamos avançando nos outcomes mais importantes.
Outcomes são as mudanças esperadas como resultado das atividades realizadas. É o efeito ou a consequência desejada. Eles representam mudanças desejadas no comportamento de pessoas ou clientes, nos relacionamentos, ações, habilidades ou conhecimentos.
Evidências podem ser numéricas como crescimento, engajamento, conversão e podem ser qualitativas, como mudanças no comportamento dos clientes, percepções de equipes, sinais emergentes de melhoria.
Não se trata de relativizar dados. Trata-se de integrá-los em uma visão mais ampla.
Outcomes pedem clareza, não perfeição
Se a organização não sabe claramente o que está tentando melhorar, nenhum indicador fará sentido. O ponto central é definir outcomes com intenção.
A trajetória vale mais do que o ponto isolado
Um único número diz pouco. A linha do tempo diz muito. OKR pede movimento. Trajetória revela direção, ritmo e consistência.
Evidências precisam contar uma história
Uma métrica isolada pode enganar. Já um conjunto de evidências (palavras, números, comparações, padrões) traz contexto e profundidade.
Por que a disciplina é mais importante que a precisão no uso de OKR?
Empresas maduras abandonam a busca pela métrica ideal e assumem a disciplina de acompanhar o progresso com regularidade, intenção e rigor. Essa disciplina envolve alguns elementos fundamentais:
1. Clareza sobre o que significa performance no seu contexto
Sem isso, qualquer número vira ruído.
2. Um ponto de partida sólido
Não é possível avaliar progresso sem um baseline. Mesmo que o baseline seja aproximado, ele precisa ser conhecido.
3. Uma rotina consistente de acompanhamento
Check-ins semanais ou quinzenais evitam surpresas e transformam o processo de medição em aprendizado contínuo.
4. Coragem para investigar quando a curva não melhora
Essa talvez seja a parte mais sensível. Performance estagnada expõe problemas estruturais, comportamentais ou estratégicos. Lideranças imaturas tendem a justificar. Lideranças maduras tendem a aprender.
5. Espaço para interpretação qualitativa
Números importam, mas eles nunca falam sozinhos. O que eles significam? O que está por trás? O que mudou? O que ainda não aparece na métrica, mas é percebido na prática?
OKR, quando bem usado, é menos sobre controlar e mais sobre evoluir.
OKR não exige métricas perfeitas
OKR, ao invés de métricas perfeitas, exige liderança preparada para trabalhar com imperfeições.
Essa é uma das grandes viradas de chave para organizações que amadurecem no uso de OKR.
Liderança eficaz aceita a imperfeição das métricas, mas não aceita a ausência de disciplina. Ela cria métodos consistentes, escolhe outcomes relevantes e desenvolve a habilidade de trabalhar com sinais incompletos sem perder a direção.
Isso é especialmente importante porque:
- OKRs raramente começam com dados perfeitos.
- O refinamento das métricas acontece durante o ciclo, não antes.
- A análise qualitativa é parte legítima do processo.
- O mais valioso é a conversa madura que os indicadores provocam.
Uma empresa que espera ter tudo perfeito antes de agir perde exatamente aquilo que OKR produz de melhor: aprendizado em ritmo acelerado.
A maturidade em OKR está na capacidade de aprender continuamente
Ao longo dos anos acompanhando executivos e organizações de diferentes setores, percebi um padrão claro. As empresas que mais evoluem são aquelas que escolhem agir com base em evidências disponíveis, mesmo sabendo que elas são imperfeitas, e que mantêm a disciplina de revisitar suas decisões à luz de novos sinais.
Elas tratam indicadores como guias, não verdades absolutas. Usam OKR como sistema de aprendizagem, não como mecanismo de cobrança. E constroem clareza à medida que avançam, em vez de paralisar esperando condições ideais.
No fim do dia, é isso que diferencia quem progride de quem permanece estático.
A pergunta que fica é: a forma como sua organização mede hoje está apoiando um ciclo real de evolução ou apenas mantendo a sensação de controle?



