Se tem um tema que quase todo executivo gosta de citar, é cultura. Ela aparece em discursos inspiradores, em murais coloridos, em programas de bem-estar e até em campanhas de valores que parecem ter saído de uma agência de publicidade.

Mas aqui vai a provocação: se falamos tanto de cultura, por que tantas empresas ainda tropeçam justamente nesse ponto?

Um estudo recente da hbr.org mostrou que 72% das organizações que lançaram iniciativas de cultura desde 2022 não apresentaram nenhuma melhoria significativa em confiança, engajamento ou retenção após um ano. Em contrapartida, em empresas onde os líderes mudaram a forma de se comportar — em reuniões, na forma de dar feedback ou tomar decisões —, a confiança cresceu em média 26%, mesmo sem campanhas formais.

O recado é claro: cultura não muda com slogans. Cultura muda quando líderes mudam.

O que é cultura de verdade

Cultura não é o que está escrito no código de ética ou no slide da apresentação do CEO.

Cultura é o que acontece quando alguém ousa discordar em uma reunião. É a forma como a liderança reage diante de um erro.
É o que realmente pesa na hora de decidir uma promoção ou um bônus.

São essas "microdecisões" diárias que formam a cultura real da organização. Se não há coerência entre discurso e prática, não adianta emoldurar valores na recepção. As pessoas percebem.

Os 4 maiores erros na gestão de cultura organizacional

1. Confundir cultura com campanha

É tentador acreditar que uma boa narrativa resolve. Lançar novos valores, criar um slogan de propósito ou até batizar a “transformação cultural”.

Porém, cultura não se instala por mensagens. Ela se instala por comportamentos repetidos. Quando líderes dizem que “transparência” é um valor central, mas continuam decidindo em salas fechadas, o efeito é corrosivo. Não é neutro. As pessoas sentem a contradição.

O cinismo nasce daí: palavras bonitas que não encontram ações correspondentes.

2. Valores que não custam nada não valem nada

É fácil proclamar empatia, inclusão e integridade como pilares. Mas os colaboradores não avaliam valores pelo quanto são citados. Eles observam o quanto os líderes estão dispostos a perder para defendê-los.

É a empresa que dizia que equidade era seu valor central, mas manteve bônus de executivos 100% ligados a performance financeira. O resultado? A confiança interna despenca, especialmente entre grupos sub-representados.

Em algumas empresas, um percentual considerável da remuneração variável dos executivos é atrelada a critérios como qualidade da liderança e desenvolvimento de pessoas. O resultado é claro nesse cenário: retenção sobe e promoções internas aumentam, sobretudo em times que aplicaram práticas modernas de feedback.

Valores só contam quando custam alguma coisa.

3. Silêncio não é engajamento

Muitos líderes interpretam a ausência de críticas como sinal de alinhamento. Só que o silêncio, na maioria das vezes, é medo ou descrença.

Colaboradores deixam de compartilhar preocupações com a alta liderança por medo de retaliação ou por não acreditarem que algo vá mudar.

E o detalhe importante: pedir feedback não adianta se o ambiente não oferece segurança psicológica. Não basta criar canais de comunicação. É preciso garantir que críticas não serão punidas, mesmo que de forma sutil, pois alinhamento de verdade começa quando há espaço seguro para dizer o que ninguém quer ouvir.

4. Jogar a responsabilidade na média gestão

É comum ver a alta liderança anunciar valores renovados e esperar que os gestores médios “façam acontecer”.

Mas quando o topo não modela os comportamentos, os gestores ficam sobrecarregados. Eles tentam traduzir discursos em prática, enquanto veem executivos seniores agindo de forma incoerente.

Essa dissonância é um dos maiores gatilhos de burnout e descrédito gerencial.

Cultura não desce em cascata por decreto. Ela só se espalha quando os líderes mais seniores dão o exemplo.

O que realmente funciona para fortalecer a cultura

Se cultura não é campanha, o que funciona de verdade?

Três movimentos se destacam: poder, incentivos e comportamento.

  • Alinhar incentivos: quando parte da remuneração está ligada a indicadores de liderança e não apenas a números financeiros, os valores ganham vida.
  • Transparência nas decisões: mostrar critérios, abrir espaço de cocriação e dar visibilidade ao que antes era decidido em backstages.
  • Assumir riscos visíveis: viver os valores mesmo quando isso significa perder velocidade, abrir mão de controle ou deixar de lado um profissional que entrega resultado mas destrói confiança.
  • Modelagem no topo: cultura é muito mais observada do que comunicada. Se os executivos não encarnam os comportamentos, ninguém mais acreditará neles.

A pergunta que todo líder deveria se fazer

No fim das contas, cultura não falha por falta de boas intenções. Ela falha quando é tratada como estética, e não como sistema.

Por isso, antes de anunciar sua próxima iniciativa cultural, vale se perguntar:

“O que estamos pedindo para as pessoas acreditarem que ainda não provamos com nossas próprias ações?”

Essa pergunta pode ser desconfortável, mas é justamente nesse desconforto que nasce a mudança real. Porque cultura não nasce em campanhas. Ela nasce em escolhas. Escolhas repetidas, consistentes e visíveis.

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